terça-feira, 11 de outubro de 2016

sem você eu perdi em profundidade, mas ganhei em largura,

terça-feira, 4 de outubro de 2016

feliz como um lento dinossauro que sorri para seu meteoro

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

querido diário


Hoje acordei antes do sol brilhar, e foi de propósito. Desliguei-o a tempo do dia claro não brotar sob minha vista. Cancelei o giro do planeta, fechei a janela para a lua intacta que se exibia diante da minha janela, tratei de vasculhar o quarto à procura dos vestígios de universo acumulados ao longo dos anos. Eles estavam por todos os lados, e me pareceu incrível como acumulamos mundos em porções tão estreitas de sentimentos.

Presentes de aniversário, lembranças de viagens, livros dedicados, discos dançados a dois, três, dez, objetos pendurados como nebulosas e mais um monte de astros orbitando o espaço-tempo construído pelo big bang de um encontro. Cada quadro na parede tem uma gravidade emoldurada e mal explicada. Ao menos para mim, que nunca fiz cálculos muito precisos para descobrir do que é feita a atração dos corpos e a queda dos asteroides sobre nossas cabeças.

Tentei encaixotar tudo e enfiar no primeiro buraco negro que minha memória ofereceu, mas não coube. Muita coisa era inesquecível, devia ter percebido logo. Desisti, espalhei tudo pelo chão do quarto e esperei pela paciência de acreditar que aquelas cordilheiras de anti matéria desapareciam com o tempo, asfixiadas como mais uma vítima do infinito.  

Antes dela, a paciência, me tocar os ombos eu já estava colocando tudo de volta no seu lugar. Demolir o universo que havia construído não me transporia direto para o rabo de um foguete, que era onde desejava estar na manhã em que acordei antes do sol brilhar, de propósito, para desligar o dia, pensei.

Voltei a dormir, fugi para bem longe das leis da física.

terça-feira, 24 de novembro de 2015

remédio


Chorei alguns mundos nos últimos dias antes de chegar até aqui. Parece ruim, e é. Se chora quando há dor, latente em ferida aberta ou aguda a ponto de tornar a respiração rarefeita e a esperança no próximo segundo um peso, então não nos enganemos: é ruim a dor, chega a ser insuportável senti-la. Mas chorei pelo tipo de dor que não me matou por inteiro, só arrancou à força um pedaço de mim, sem que eu pudesse contê-la, ou quisesse. No começo resisti, mas à medida que as lágrimas caiam eu imaginava que o pior já havia ficado para trás, e logo doía mais, e então eu sobrevivia um tanto mais, aos poucos, quieto, aos berros, tentando deixar o tempo tornar mesmo um lapso o que até então desejava que fosse eterno. Não sei se consegui, infelizmente não é tão fácil, mas evoluí: em relação ao que fui ontem, por exemplo, hoje sou futuro, mesmo que esse presente seja passado amanhã. Ainda sinto pontadas, sou traído pela memória, lembro do rosto, do cheiro, dos gestos daquilo que preciso que se torne um quadro fora das paredes do meu corpo, uma lembrança linda e admirável, mas que não tome o leme do que sinto. 

Os anos são curtos, a vida que cabe em cada um deles aos poucos endurece ou se esfarela em momentos, nada segue intacto. Menos mal. Rígido, tento escrever para não me tornar uma cordilheira de memórias pesadas que me  traguem para o fundo de um oceano solitário do qual temo não poder mais emergir. Ainda quero mergulhar nas tempestades mais leves, ser um sobrevivente da gravidade da dor que se esvai para deixar o tempo de novo flutuar. 

Dói, mas nada é tão ruim enquanto restar um sonho de céu.


quarta-feira, 12 de agosto de 2015

contagem regressiva

Quantas vezes é preciso deixar de acreditar em deus para que deus desapareça de vez?

Quantos mais deuses há para serem vencidos pela descrença, perdidos para a vida? É muito deus pra pouca fé, se revezando na fila de fés tombadas por falta de fé na eternidade, na redenção, no destino, na perfeição, na justiça, na unidade, em tudo, no amor, nesse nada absoluto prometido desde o início dos tempos, dos meus tempos, pelo menos.

Ontem mesmo deixei de acreditar em deus de novo.

Não foi o terror da primeira vez nem doeu como na adolescência, mas é impossível deixar de se ver cair sobre toda a falta de chão descoberta pela integral falta dele. O tombo, a lembrança do tombo, as fissuras do tombo cicatrizando em nós, tudo isso faz parte de nós, costumo repetir para si em busca de conforto diante dessa renovada confiança.no nada.

Funciona e deixa de funcionar logo que a sombra áspera de deus volta a ofuscar o espectro de vida que eu tentava projetar.

Uma vez deixei de acreditar nele enquanto dormia. Outra vez, ao passear pelas ruas imundas e coloridas do centro da cidade. Também no balcão de um bar, dentro de um navio da minha imaginação, após tudo o que eu acreditava dizer na minha cara que era tudo mentira, virar as costas e ir embora para sempre, senti deus afundar diante de mim.

Chorei, passou. Sempre passa.

O que sufoca mais que qualquer desilusão, porém, é essa tirania da dúvida que oprime qualquer caminhada mais cética por entre os escombros de verdades acumulados ao longo do caminho. É o que eu acho, entrincheirado no território onde agora me encontro, sem muitas convicções.

E daí, e daí que dessa sina de pegadas trôpegas se bifurca uma nova tentação, sempre, e logo à frente, ao lado da placa que avisa cuidado, perigo, estará outra, estampando e se?

Meu deus, é sempre a mesma coisa, isso parece não acabar nunca.

E viu deus que era boa a luz, e fez a separação entre luz e trevas. E apagou então o sonho primeiro de fazê-lo desaparecer com sua criação.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

eternos lapsos 1

No fim, dentro do escuro sem fundo, sobra nada.

Vazio de uma esqualidez de provocar inveja em qualquer fio de lembrança. Tanto mais ancho que os dentes famintos de uma navalha banguela. Vem o corte e ninguém mais sorri, nunca mais ou menos irá sorrir. Nada a dizer, nada para ver, nada de sentir, nada de nada para justificar tantos nenhuns, ninguéns, sequeres e espasmos involuntários de esperança.

Depois de uma breve eternidade, veio o silêncio brincar de assoprar fumaça de cigarro contra meu peito. Depois de tantas breves eternidades, o silêncio já consumiu todo o ar que eu gostaria de respirar e enjoou das batidas de meus músculos. Quer agora somente ir embora levando o corpo calado. Bate a porta num barulho ensurdecedor.

Sem silêncio, sem ar, sem peito, sem eu.

Nenhuma janela de esperança no horizonte sem cor, nenhum sol amarelo para incomodar o olhar costurado por fios de trevas pretas como o absoluto.

Não há motivos para sorrir porque acabou o sorriso e a graça que fazia dele tão impulsivo. Desconfio que nunca houve motivos para sorrir mas meus cantos da boca achavam isso engraçado. Agora vem a piada do nem isso:

Sobraram ontens que serão apenas um lapso dos amanhãs que sequer irão nascer.

domingo, 6 de novembro de 2011

breves eternidades 5

Meus fantasmas me pediram para escrever algo sobre a solidão. Meus fantasmas não param de me assombrar por um segundo, mas me pediram para esboçar luzes sobre a solidão. Acendo uma vela por eles e apago minha lâmpada.

Não há como mobilizar palavras para construir um punhado de nadas. Talvez cartas de baralho sirvam para esse jogo do ninguém contra o vazio. Tenho nas mãos tantas possibilidades que poderia erguer um castelo de certezas, mas por onde começar? Reina sobre minhas mãos o temor de que tudo desabe antes do primeiro gesto. Elas temem, nós trememos.

Empilho todos os coringas, um sobre o outro, e eles riem de meu esquálido sorriso. Devem estar tentando me dizer pare de errar tanto no inicio, estúpido, tente alcançar algum fim. São irônicos. Podem também estar, do alto de seus chapéus desregrados e da lágrima estampada abaixo da boca vermelha, apenas lamentando por eu errar tanto no início só para não alcançar fim algum.

São muitos ases a minha volta e não consigo escolher qual deles irá tapar este fosso que se formou entre a inaptidão dos gestos e a cegueira aos semblantes. Assumam-se ases, ases, façam o melhor daquilo para o qual disseram que são os melhores, pobres ases. Decepção. Todos escorrem para o buraco e escondidos se amontoam um em cima do outro. Enlutam-se em copas.

Não será fácil erguer uma ideia disforme a partir de números tão exatos quanto estas infinidades de três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, noves e mais noves. Faltariam mãos no mundo para tantas combinações, mas a conta não fecha sem os dois. Os dois perdidos, os dois que sempre me faltam.

Compreendo a escassez, é difícil ser dois neste baralho da solidão. Mas quem vai conseguir explicar aos meus fantasmas que a torre de marfim de nosso castelo será somente a projeção da ausência de dois, de irresponsáveis e indiferentes dois?

Precisarei arquitetar um novo jogo, com peças menos instáveis e movimentos mais previsíveis. Previsíveis como meus fantasmas, que continuam sem saber algo sobre a solidão. No escuro.